Na introdução a este curso, falávamos que, no começo de todo caminho filosófico, há uma decisão moral a ser tomada: a pessoa precisa ser sincera consigo mesma, prometendo buscar a Verdade, mesmo que esta lhe doa.
Neste contexto, é importante mencionar o que o filósofo Olavo de Carvalho chama de “paralaxe cognitiva”: “o deslocamento entre o eixo visual do indivíduo real e o da perspectiva que enquanto criador de teorias ele projeta naquilo que escreve”[1]. “Toda afirmação filosófica sobre a realidade em geral, a humanidade em geral ou o conhecimento em geral inclui necessariamente, entre os objetos a que se aplica, a pessoa real do emissor e a situação de discurso na qual a afirmação é feita”[2], explica Olavo. O fenômeno da paralaxe cognitiva - de que a filosofia moderna está cheia de exemplos - consiste justamente em uma separação do “eu biográfico” e do “eu filosófico”: o filósofo começa a separar as suas teorias de sua experiência concreta.
Isto acontece muito no campo da Filosofia da Linguagem. Essa filosofia está “na moda” porque os filósofos modernos só se preocupam em provar que qualquer conhecimento é uma construção. Para isso, eles precisam fugir da realidade e acabam por refugiar-se em um “eu fictício” e é este, ao invés do “eu real”, quem faz a filosofia.
Para este curso, vamos seguir alguns passos. O primeiro deles é a “primeira abordagem fenomenológica”, de Edmund Husserl. Husserl, alemão de descendência judia, foi um pensador do século XX, que teve como secretária Edith Stein (que, depois, se tornaria carmelita descalça, chamando-se Santa Teresa Benedita da Cruz). Ele influenciou muito a filosofia do século passado, ao proclamar, em um século no qual predominava a exegese dos textos de Immanuel Kant e Georg Hegel, a necessidade de sair da “coisa-em-si” para o objeto tal como se apresenta à consciência. A “primeira abordagem fenomenológica” significa, portanto, deixar que o objeto de estudo se mostre em sua aparência. A palavra “fenômeno”, do grego φαινόμενον, significa: aquilo que aparenta ser.
Existem linguagens mais empíricas e existem linguagens que se referem a outra realidade: ao “mundo do espírito”, na terminologia tradicional.
Em uma primeira abordagem, são distinguíveis duas outras espécies de linguagem: a primeira é a linguagem indicativa, na qual se produz palavras para indicar uma realidade. Os animais são capazes de fazer isso: quando um macaco vê um agressor se aproximando, ele acena, avisando a turma; quando a abelha encontra um canteiro de flores, ela chega à colmeia e, através da agitação de suas asas, ela indica às outras abelhas qual a quantidade de flores e qual a distância e direção dessas flores, para que elas possam ir lá colher o néctar. Aparentemente, fazemos a mesma coisa, só que em grau maior: somos capazes, por exemplo, de resolver problemas de aritmética. Aqui, não se trata, pois, de uma diferença substancial, mas de grau.
Certos comportamentos, no entanto, parecem não ter correspondência no mundo animal. Quando, por exemplo, diante do bispo, um sacerdote promete obediência a ele e a seus sucessores; ou quando se assina uma promissória, prometendo-se pagar determinada quantia ao fim de um prazo determinado: estes atos, que são um acordo, uma promessa ou um pacto, só estão presentes no mundo humano. O fenômeno linguístico de contrato e juramento é um fenômeno que empenha a outra pessoa e afeta os envolvidos em um sentido único em todo o reino animal.
Em uma primeira abordagem fenomenológica, percebe-se que existe uma linguagem presente no mundo animal, como um todo, e outra presente apenas no mundo humano.
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22 ноя 2023