É uma belíssima Marcha, sim. Mas infelizmente já pouca gente sabe quem é que primeiro a popularizou. Anita Guerreiro é a sua primeira interprete e quem lhe deu este cunho de alegria e força. O cheiro que Lisboa tem (tinha, porque tudo passa). Autor da Música, maestro Carlos Dias. Autor da Letra, César de Oliveira, (que se inspirou num miúdo que na rua respondia a alguém : cheira bem, cheira a Lisboa) Foi estreada na Revista "Peço a Palavra" no teatro Variedades em 1969. Anita Guerreiro é a par com Fernanda Baptista, Mariema, Milú, Deolinda Rodrigues, entre outras artistas um dos nomes maiores que já passaram pela música e cultura portuguesa. Fadista/cantora e actriz de mão cheia, nunca se esqueceu que é gente como a gente e talvez por isso mesmo é que está hoje a ser esquecida. A interpretação de Amália é boa? Sim é, mas é uma interpretação que cheira a Amália. Já a interpretação de Anita cheira mesmo a Lisboa. A César o que é de César. Bom dia
Lisboa já tem sol mas cheira a lua Quando nasce a madrugada sorrateira E o primeiro eléctrico da rua Faz coro com as chinelas da ribeira Se chove cheira a terra prometida Procissões têm o cheiro a rosmaninho Nas tascas da viela mais escondida Cheira a iscas com elas e a vinho Um cravo numa água furtada Cheira bem, cheira a lisboa Uma rosa a florir na tapada Cheira bem, cheira a lisboa A fragata que se ergue na proa A varina que teima em passar Cheiram bem porque são de lisboa Lisboa tem cheiro de flores e de mar Cheira bem, cheira a lisboa A fragata que se ergue na proa A varina que teima em passar Cheiram bem porque são de lisboa Lisboa tem cheiro de flores e de mar Lisboa cheira aos cafés do rossio E o fado cheira sempre a solidão Cheira a castanha assada se está frio Cheira a fruta madura quando é verão Teus lábios têm o cheiro de um sorriso Manjerico tem o cheiro de cantigas E os rapazes perdem o juízo Quando lhes dá o cheiro a raparigas Cheira bem, cheira a lisboa A fragata que se ergue na proa A varina que teima em passar Cheiram bem porque são de lisboa Lisboa tem cheiro de flores e de mar
Lisboa Perto e Longe (1965) Lisboa chora dentro de Lisboa Lisboa tem palácios sentinelas. E fecham-se janelas quando voa nas praças de Lisboa - branca e rota a blusa de seu povo - essa gaivota. Lisboa tem casernas catedrais museus cadeias donos muito velhos palavras de joelhos tribunais. Parada sobre o cais olhando as águas Lisboa é triste assim cheia de mágoas. Lisboa tem o sol crucificado nas armas que em Lisboa estão voltadas contra as mãos desarmadas - povo armado de vento revoltado violas astros - meu povo que ninguém verá de rastos. Lisboa tem o Tejo tem veleiros e dentro das prisões tem velas rios dentro das mãos navios prisioneiros ai olhos marinheiros - mar aberto - com Lisboa tão longe em Lisboa tão perto. Lisboa é uma palavra dolorosa Lisboa são seis letras proibidas seis gaivotas feridas rosa a rosa Lisboa a desditosa desfolhada palavra por palavra espada a espada. Lisboa tem um cravo em cada mão tem camisas que Abril desabotoa mas em maio Lisboa é uma canção onde há versos que são cravos vermelhos Lisboa que ninguém verá de joelhos. Lisboa a desditosa a violada a exilada dentro de Lisboa. E há um braço que voa há uma espada. E há uma madrugada azul e triste Lisboa que não morre e que resiste. Manuel Alegre