A alma humana é uma mala limpa, vazia.... Grande é a vida. Existir independe da mala. Vai querer levar algo na mala? O que? Hipoteticamente, há chance de levar a "camisa"... Racionalmente, tem que arrumar a mala e decidir o que de "fato quer colocar nela". Definitivamente, carregue na sua alma, apenas o que lhe convém, mas vc tem que arrumar a mala.
Grandes são os desertos, e tudo é deserto. Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo. Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas, Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu. Grandes são os desertos, minha alma! Grandes são os desertos. Não tirei bilhete para a vida, Errei a porta do sentimento, Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse. Hoje não me resta, em vésperas de viagem, Com a mala aberta esperando a arrumação adiada, Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem, Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado) Senão saber isto: Grandes são os desertos, e tudo é deserto. Grande é a vida, e não vale a pena haver vida, Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem) Acendo o cigarro para adiar a viagem, Para adiar todas as viagens. Para adiar o universo inteiro. Volta amanhã, realidade! Basta por hoje, gentes! Adia-te, presente absoluto! Mais vale não ser que ser assim. Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro, E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito. Mas tenho que arrumar mala, Tenho por força que arrumar a mala, A mala. Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão. Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala. Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas, A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino. Tenho que arrumar a mala de ser. Tenho que existir a arrumar malas. A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte. Olho para o lado, verifico que estou a dormir. Sei só que tenho que arrumar a mala, E que os desertos são grandes e tudo é deserto, E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci. Ergo-me de repente todos os Césares. Vou definitivamente arrumar a mala. Arre, hei de arrumá-la e fechá-la; Hei de vê-la levar de aqui, Hei de existir independentemente dela. Grandes são os desertos e tudo é deserto, Salvo erro, naturalmente. Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado! Mais vale arrumar a mala. Fim
Amo a Poesia! Pessoa é incrível...todos os dias tenho que ouvir uma Poesia desse gigante da Literatura Portuguêsa...obrigado por existere Mestre, meu Mestre Querido!!! Saudades Antonio ❤
Quado desejar arrumar a mala ,NÃO esqueça de me colocar DENTRO dela. Vamos atravessar o deserto juntos. Por maior QUE ele SEJA, dentro de Nós. Amei o poema! TE AMO!😍💖
Vamos arrumar a mala; sempre temos o que alterar, afinal surgem novas necessidades. A todo momento arrume a mala, para que possa exercitar suas ideias, ajustando-as frequentemente. Nada de isolamento, faz-se necessário revirar a mala de "ponta a cabeça" com o propósito de dá um novo sentido para a vida, a cada instante. Vamos desarrumar a mala? Sim, vamos. Vou te ajudar.
@Eduardo Pasquali Olá! Boa noite! Exato não há. Quando leio um poema com tédio, pessimismo... costumo reverter o entendimento para não ser contaminada pela desesperança. Amo Pessoa e seus heterônimos. Uma leitura observando o outro "lado da moeda". Obrigada!