Aos que criticam a recitação do poema , que pulou partes, presumo que ela quis dar ênfase ao Jesus menino, humano e sem desgastes com polêmicas inúteis. Ela o faz num show, gravando um cd, não num sarau, onde somente intelectuais literatos estão ali para discutir as obras. O que convém a todos ouvir foi falado. Até porque o poema é enorme e se ela tivesse que declamá-lo inteiro, ficaria até cansativo.Para quem conhece o poema inteiro é desnecessário, para quem não o conhece será inútil criar um cisma, já que o poeta por fim quer apenas frisar a sua relação com o menino Deus e humano. Admira-me a quantidade de críticos de artes existentes na internet. Não fossem artistas sensíveis como Maria Bethânia, trazendo estas pérolas da língua portuguesa ao público em geral, não estaríamos discutindo aqui este poema, deste poeta fantástico. Viva Bethânia! Maravilhosa como sempre.
Um poema dessa grandeza espiritual e a turma se fixa numa única estrofe pq fala mal de uma instituição q repudiam. A parte mais desafinada do resto do poema aliás a meu ver, que é todo sublime e afirmativo em vez de se preocupar com picuinhas políticas.
Minha vida que parece muito calma Tem segredos que não posso revelar Escondidos bem no fundo de minh'alma Não transparece nem sequer em um olhar Vive sempre conversando a sós comigo Uma voz que eu escuto com fervor Escolheu meu coração pra seu abrigo E dele fez um roseiral em flor Maria
Não existem adjetivos para classificar o quanto bonito é este poema! E a Maravilhosa voz de Bethânia! A riqueza da língua portuguesa, em todos os seus sotaques é estonteante!
Num meio-dia de fim de primavera Eu tive um sonho como uma fotografia Eu vi Jesus Cristo descer à Terra Ele veio pela encosta de um monte Mas era outra vez menino, a correr e a rolar-se pela erva A arrancar flores para deitar fora, e a rir de modo A ouvir-se de longe Ele tinha fugido do céu Era nosso demais pra fingir-se de Segunda pessoa da Trindade Um dia que Deus estava dormindo E o Espírito Santo andava a voar Ele foi até a caixa dos milagres e roubou três Com o primeiro, ele fez com que ninguém soubesse Que ele tinha fugido Com o segundo, ele se criou eternamente humano e menino E com o terceiro, ele criou um Cristo eternamente na cruz E deixou-o pregado na cruz que há no céu E serve de modelo às outras Depois ele fugiu para o Sol e desceu Pelo primeiro raio que apanhou Hoje ele vive na minha aldeia, comigo É uma criança bonita, de riso natural Limpa o nariz com o braço direito, chapinha nas poças d'água Colhe as flores, gosta delas, esquece Atira pedras aos burros, colhe as frutas nos pomares E foge a chorar e a gritar dos cães Só porque sabe que elas não gostam E que toda gente acha graça Ele corre atrás das raparigas Que levam as bilhas na cabeça e levanta-lhes a saia A mim, ele me ensinou tudo Ele me ensinou a olhar para as coisas Ele me aponta todas as cores que há nas flores E me mostra como as pedras são engraçadas Quando a gente as tem na mão e olha devagar para elas Damo-nos tão bem um com o outro na companhia de tudo Que nunca pensamos um no outro Vivemos juntos os dois com um acordo íntimo Como a mão direita e a esquerda Ao anoitecer nós brincamos As cinco pedrinhas no degrau da porta de casa Graves, como convém a um Deus e a um poeta Como se cada pedra fosse todo o Universo E fosse por isso um perigo muito grande deixá-la cair no chão Depois eu lhe conto histórias das coisas só dos homens E ele sorri, porque tudo é incrível Ele ri dos reis e dos que não são reis E tem pena de ouvir falar das guerras e dos comércios Depois ele adormece e eu o levo no colo Para dentro da minha casa, deito-o na minha cama Despindo-o lentamente, como seguindo um ritual Todo humano e todo materno até ele estar nu Ele dorme dentro da minha alma Às vezes ele acorda de noite, brinca com meus sonhos Vira uns de pena pro ar, põe uns por cima dos outros E bate palmas, sozinho, sorrindo para o meu sonho Quando eu morrer, filhinho, seja eu a criança O mais pequeno, pega-me tu ao colo Leva-me para dentro a tua casa Deita-me na tua cama Despe o meu ser, cansado e humano Conta-me histórias caso eu acorde para eu tornar a adormecer E dá-me sonhos teus para eu brincar
Fernando Pessoa (Heterónimo Alberto Caeiro). Como português, tive a subida honra de ouvir ao vivo Maria Bethania dizer este poema em Lisboa nos anos 80. Já o ouvi dizer por muitos, mas nunca como ela, de forma tão sublime e tocante. O mesmo se diga do saudoso Jô Soares que encheu as salas em Lisboa para o ouvirmos dizer Fernando Pessoa, sem o mínimo sotaque brasileiro, algo que deixou a plateia atónita. Como era possível? E foi sublime. Dois Artistas Grandes, do tamanho do mundo, que habitam para sempre no coração dos portugueses. Porque sempre foram capazes de muitos mundos.
O Jo Soares na é um animador duma emissao, dum canal brasileiro, na qual recebe famosos ? Creio que li que ele era paneleiro, homosexual ! mas disto nao tenho nada que ver.
Poema do Menino Jesus Num meio-dia de fim de Primavera Tive um sonho como uma fotografia. Vi Jesus Cristo descer à terra. Veio pela encosta de um monte Tornado outra vez menino, A correr e a rolar-se pela erva E a arrancar flores para as deitar fora E a rir de modo a ouvir-se de longe. Tinha fugido do céu. Era nosso demais para fingir De segunda pessoa da Trindade. No céu tudo era falso, tudo em desacordo Com flores e árvores e pedras. No céu tinha que estar sempre sério E de vez em quando de se tornar outra vez homem E subir para a cruz, e estar sempre a morrer Com uma coroa toda à roda de espinhos E os pés espetados por um prego com cabeça, E até com um trapo à roda da cintura Como os pretos nas ilustrações. Nem sequer o deixavam ter pai e mãe Como as outras crianças. O seu pai era duas pessoas - Um velho chamado José, que era carpinteiro, E que não era pai dele; E o outro pai era uma pomba estúpida, A única pomba feia do mundo Porque nem era do mundo nem era pomba. E a sua mãe não tinha amado antes de o ter. Não era mulher: era uma mala Em que ele tinha vindo do céu. E queriam que ele, que só nascera da mãe, E que nunca tivera pai para amar com respeito, Pregasse a bondade e a justiça! Um dia que Deus estava a dormir E o Espírito Santo andava a voar, Ele foi à caixa dos milagres e roubou três. Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido. Com o segundo criou-se eternamente humano e menino. Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz E deixou-o pregado na cruz que há no céu E serve de modelo às outras. Depois fugiu para o Sol E desceu no primeiro raio que apanhou. Hoje vive na minha aldeia comigo. É uma criança bonita de riso e natural. Limpa o nariz ao braço direito, Chapinha nas poças de água, Colhe as flores e gosta delas e esquece-as. Atira pedras aos burros, Rouba a fruta dos pomares E foge a chorar e a gritar dos cães. E, porque sabe que elas não gostam E que toda a gente acha graça, Corre atrás das raparigas Que vão em ranchos pelas estradas Com as bilhas às cabeças E levanta-lhes as saias. A mim ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas Quando a gente as tem na mão E olha devagar para elas. Diz-me muito mal de Deus. Diz que ele é um velho estúpido e doente, Sempre a escarrar para o chão E a dizer indecências. A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia. E o Espírito Santo coça-se com o bico E empoleira-se nas cadeiras e suja-as. Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica. Diz-me que Deus não percebe nada Das coisas que criou - "Se é que ele as criou, do que duvido." - "Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória, Mas os seres não cantam nada. Se cantassem seriam cantores. Os seres existem e mais nada, E por isso se chamam seres." E depois, cansado de dizer mal de Deus, O Menino Jesus adormece nos meus braços E eu levo-o ao colo para casa. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro. Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava. Ele é o humano que é natural. Ele é o divino que sorri e que brinca. E por isso é que eu sei com toda a certeza Que ele é o Menino Jesus verdadeiro. E a criança tão humana que é divina É esta minha quotidiana vida de poeta, E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre. E que o meu mínimo olhar Me enche de sensação, E o mais pequeno som, seja do que for, Parece falar comigo. A Criança Nova que habita onde vivo Dá-me uma mão a mim E outra a tudo que existe E assim vamos os três pelo caminho que houver, Saltando e cantando e rindo E gozando o nosso segredo comum Que é saber por toda a parte Que não há mistério no mundo E que tudo vale a pena. A Criança Eterna acompanha-me sempre. A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado. O meu ouvido atento alegremente a todos os sons São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas. Damo-nos tão bem um com o outro Na companhia de tudo Que nunca pensamos um no outro, Mas vivemos juntos e dois Com um acordo íntimo Como a mão direita e a esquerda. Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas No degrau da porta de casa, Graves como convém a um deus e a um poeta, E como se cada pedra Fosse todo o universo E fosse por isso um grande perigo para ela Deixá-la cair no chão. Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens E ele sorri porque tudo é incrível. Ri dos reis e dos que não são reis, E tem pena de ouvir falar das guerras, E dos comércios, e dos navios Que ficam fumo no ar dos altos mares. Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade Que uma flor tem ao florescer E que anda com a luz do Sol A variar os montes e os vales E a fazer doer aos olhos dos muros caiados. Depois ele adormece e eu deito-o. Levo-o ao colo para dentro de casa E deito-o, despindo-o lentamente E como seguindo um ritual muito limpo E todo materno até ele estar nu. Ele dorme dentro da minha alma E às vezes acorda de noite E brinca com os meus sonhos. Vira uns de pernas para o ar, Põe uns em cima dos outros E bate palmas sozinho Sorrindo para o meu sono. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... Quando eu morrer, filhinho, Seja eu a criança, o mais pequeno. Pega-me tu ao colo E leva-me para dentro da tua casa. Despe o meu ser cansado e humano E deita-me na tua cama. E conta-me histórias, caso eu acorde, Para eu tornar a adormecer. E dá-me sonhos teus para eu brincar Até que nasça qualquer dia Que tu sabes qual é. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... Esta é a história do meu Menino Jesus. Por que razão que se perceba Não há-de ser ela mais verdadeira Que tudo quanto os filósofos pensam E tudo quanto as religiões ensinam ? Alberto Caeiro
Grandíssimo Fernando Pessoa! ...Minha pátria é a língua portuguesa... Chorei a primeira vez que li. Sempre me arrepio quando leio pela primeira vez um poema desse gênio. Realmente, inquietantemente lindos!
Eu a amo demais, amo Bethania não somente como a Betha selvagem dos palcos, a entidade Bethania que se faz presente, mas amo também essa Betha que encanta como uma amiga que senta ao teu lado e te conta com todo o coração e alma histórias dos lugares que passou, as poesias que carrega consigo e que exala o conforto de quem gosta das fantasias e romances, dos terrores e do espiritual! ai como amo Betha, amo em sua essência própria!