A gente percebe que tem rolado uma espécie de consumismo afetivo. Vivemos num atacadão do amor onde saímos distribuindo corações em busca de matches e amamos receber biscoitos e corações que reforcem a sensação de que estamos sendo desejados. Nessa lógica, temos encontros cada vez mais rasos e mais efêmeros, e acabamos jogando no lixo a oportunidade de conexões reais.
Em geral a gente reclama que "ninguém quer nada com nada", que os outros estão nessa lógica da pegação… Mas pode ser que a gente não se dê conta que está operando nessa mesma chave. Assim como estamos ávidos por consumir cada vez mais conteúdo e blusinhas, acabamos aplicando a lógica do consumo rápido em nossos encontros amorosos. Queremos a paixão garantida ou nosso coração de volta.
Provocando aqui: será que você tem dado tempo pra ver se a história com a pessoa com quem você está saindo poderia rolar? Você encara bem os dias de tédio e os jantares com papo não tãão engatados como aquele do 1o date ou já acha que isso é sinal que a coisa tá esfriando e pula fora?
Para entender como essa lógica do consumismo afetivo está acabando com nossa humanidade, trouxemos novamente ao canal Renato Noguera, filósofo, professor e autor. Noguera coloca que a lógica da obsolescência programada de alguma forma está sendo aplicada às relações. O marketing entendeu que era muito mais rentável fazer geladeiras que quebram a cada dois anos pra gente ter que trocar, do que manter aquelas geladeiras das nossas avós que duraram décadas.
Essa lógica do descarte tem sido aplicada também às relações. Queremos consumir o outro rapidamente, esperamos que ele atenda as nossas demandas e, quando cansamos, jogamos fora (ou bloqueamos) como se nada tivesse acontecido.
Nessa lógica acabamos nos produtizando também e tentando nos encaixar num formato ideal para sermos escolhidos pelo coleguinha. Nessas horas a síndrome da impostora bate à nossa porta e passamos a acreditar que o outro nos deseja só porque usamos as famosas cartas na manga ou por que editamos um feed do instagram muito mais descolado do que nossa versão vida real. É ai que os coaches de relacionamento ganham rios de dinheiro, nos vendendo fórmulas prontas para conquistar o outro, como se todos operassem nas mesmas chaves. E a autoestima a manda beeeeijos!
Em um movimento altamente narcísico e egoísta, estamos coisificando uns aos outros para não termos que encarar o fato de que o coleguinha também tem suas questões e demandas e de que ele não tem a responsabilidade de preencher todas as nossas faltas.
Noguera traz um pensamento muito interessante sobre como podemos reinterpretar nossos desejos. Enquanto para a psicanálise o desejo se dá pela falta estrutural ( e ai esperamos que o crush preencha nosso buraco sem fundo), a proposta de Noguera é que encaremos o desejo como um movimento de vontade de fazer encontros que criariam momentos harmônicos e equilibrados. O outro certamente pode contribuir para a construção de momentos mais gostosos, mas é preciso entender que ele não vai suprir uma falta estrutural minha nem ser responsável por me preencher plenamente e completamente.
Podemos mudar nosso olhar e pensar: o que eu vou aprender com esse encontro? Como ele vai me afetar? E não "o que está faltando em mim ou nessa pessoa?"
Confere essa entrevista maravilhosa e comenta aqui se nas suas últimas relações você se sentiu descartável. O que rolou nos seus últimos encontros?
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2 авг 2024
