SOBRE MENINOS E TRENS Carlos Omar Vilela Gomes e Bianca Bergman Meninas amam bonecas, Meninos gostam de trens... Era tudo que eu sabia, Pois a vida me ensinara E a vida, naqueles tempos, Parecia saber tanto! Cresci ouvindo as histórias Dessas guerras cabulosas, Que ceifavam mais que sonhos, Levando os homens embora. Cresci ouvindo que um dia Chegaria a minha vez... - "Seja mais cedo ou mais tarde Nossa hora sempre vem E tem sempre a mesma forma... Acenar na plataforma Ouvindo o apito do trem". Sim! Meninos amam os trens! Não importa seu tamanho, Sua idade ou endereço. Ha um estranho feitiço Que existe desde o começo... Eles correm atrás dele, Depois embarcam... se vão... Não importa a qual destino Nem tampouco a situação. É... Meninos amam os trens! Foi assim com o meu avô... Com meu pai... Com meus irmãos... E eu, pra fugir do medo, tracei um plano em segredo E fui viver o meu tempo, conforme esta decisão. Passei a odiar as bonecas! Seres estranhos, mal postos... Por vezes lembrando os mortos Quando inertes pousavam. Passei a odiar as bonecas! Buscando assim uma chance... Se desafiasse as certezas Com a força que a alma tem, Talvez mudasse o destino... Talvez achasse um menino Que não gostasse dos trens. Talvez achasse outra forma, Sem acenos... plataformas E nem olhares sangrados Da volta, que nunca vem! Esse menino surgiu, mas já não era menino... Eu bendizia o destino quando o menino me viu. A natureza no cio mostrava todo o esplendor, E eu, de encanto e pavor, meio sorria e chorava, Enquanto a noite jorrava as sangas doces do amor! Assim eu me vi mulher, sem repressões, nem pecados... Apenas um céu regado da fonte das minhas paixões; Mas tinha medos, vilões, do meu instinto sagrado De não ver o ser amado partindo nas estações. A vida gritava ao longe que os sonhos não me contém E que eu sabia tão pouco sobre meninos e trens. Ah, meu Deus, como foi fácil o meu tempo de criança! Mas o tempo não espera e nem tampouco se adianta; Pois um dia meu menino, por ser chamado, partiu Pra defender nossa terra, numa estação, frente ao rio. Na hora certa houve um beijo, um sonho, juras, um sim, Lembrando daquela noite, num ranchinho de capim... E quando o amor se concreta, ergue na alma um fortim E a vida se faz completa, pois uma linda boneca Crescia dentro de mim. A vida, sorriu, matreira, e me entregou, companheira, Minha boneca no colo... E disse: “encara tua sina!” Maior que a dor cristalina Que vinha em pranto nos olhos! E eu sangrava meus sonhos, sentindo a falta de alguém... De quem partiu da minha vida, num beijo de despedida Sob um apito de trem! O tempo deixou suas marcas, mas eu fui forte e venci... Superei os preconceitos e toda a dor que sorvi. Já não detesto as bonecas, que habitam meu sonho moço, Pois a boneca que tenho me ergueu do fundo do poço! E aquele trem infernal, que carregou meu amor, Um dia chegou, contando mensagens lindas de alguém, Que logo no outro dia, voltou de fé renascida ... E eu vi, que além das partidas, existe a volta do trem! Hoje eu amo bonecas, eu encaro as incertezas.... Redefino o que é beleza conforme a alma contém; Hoje sou plena de vida, sou vida redesenhada... E a vida? Não sabe nada sobre meninos e trens!